A Prometida – José Alberto Santos da Silva

José Alberto Santos da Silva

Estudo sobre as liberdades da paixão eu fiz na inocência como alguém entretido com outras coisas fora da boemia, da festivolência das baladas.

Eu conhecia de vista, Tirsa, uma saroba solteira, com uma beleza mediana que se agigantava pra mim ao reluzir amorosidades; ela me desafiava, permitindo em nossos encontros eventuais os meus abusos beijoqueiros e me dava puxões às suas vias de acesso, para facilitar meus excessos nos seus canais de imprudência. Num show, Kanto de Kontexto da banda Louca Sedução a encontro em meio a grupo de amigos. Levantou-se para me receber e percebi nela sorridente disponibilidade de promessas.

Trazia a meus sentidos paisagem bela e de ameaçadora fogatina daquelas que sempre evitei descambar pra compromisso.

Em Porto Alegre quando o clima esquenta no verão parece invadida pelos maus elementos do deserto mais hostil. Perguntei o que ela estaria bebendo e ela disse que era Suco de Água Doce e eu apreciei a ideia. Quanto mais ela retorcia sua boca e repetia sucessivamente meu nome cada vez com uma entonação diferente, eu dizia o nome dela e a desnudava com olhos vorazes de um estuprador. O garçom foi buscar nosso pedido e eu pedi licença a ela para ir ao banheiro. Ela perguntou se poderia me acompanhar e eu lhe disse que – ainda não.

Na volta expliquei-lhe que fui apenas lavar minhas mãos, vez que a partir daquele momento eu meteria meus dedos em sua alma, onde eu pudesse encontra-la de lado a lado de seus requebrados quadrantes. Com seu olhar mais invasivo e num silêncio revelador de pronta entrega, passei a dizer-lhe o que me passava na cabeça. Por um instante me pareceu verdadeiro aquele amor cantado em samba e versos pelo povaréu. Pela quantidade de gente no Boteco com sua luz diáfana, em meio a multidão dançante eu a bolinava e roubava-lhe selinhos, furtivamente, o que nos dava uma inflexão de divertida transgressão.

Dia desses vamos a um cinema disse ela sugerindo filme que eu já tinha visto; concordei porque queria realizar o filme que se passava nos seus olhos. Aquele Boteco exíguo tornou-se salão mágico de estrelas que espocavam como fogos de artifício sem ruídos para dar expansão a sonhos e desejos. Inebriado eu girava no samba rasgado, ela batia seu salto e ninguém atrapalhava nosso bailado; a cada giro eu a apanhava no ar, meio à multidão como se ela voejasse torno a mim feito borboleta; na ponta de seu nariz brilhavam gotículas de suor para indicar a transpiração de suas partes. Ela pareceu esperar para me ver em queda livre por ela, com meu pinto como trave entre meus olhos para espalmar as mãos em meu peito e jogar em meu estômago o que disse:

 – Eu sou lésbica.

Tive uma reação explosiva e imediata ao reverberar de minha buchada, o que a deixou de olho arregalado vez que ela esperava, minha rejeição. Não lhe expliquei nada porque aceito a homossexualidade feminina, por minha condição de heterossexual, em função dos encantos que provocam em mim as qualidades de uma mulher em qualquer condição, ao contrário da masculina que não “entendo”. Ela compreendeu o contrario da minha percepção da coisa toda, mas propus sairmos naquele momento para darmos um passo a frente na nossa evolução.

Por um momento abatido no clímax de nosso transe amoroso no Motel Decência esperei pelo pior segurando a respiração; agora – pensei – ou ela me enfia uma faca no sei lá ou comigo na boca vai me aleijar de vez. Relaxei quando ela completou:

 – Estou gostando desta coisa.

Por me conduzir sem maiores ilusões ou pretensões, a partir daí nossas carícias transcorreram com a leveza de querubins e repetíamos os gestos que fazíamos como que a firmar didaticamente nossas lições em aprendizado juvenil. A dúvida que ficou em mim é se a beleza esta nos olhos de quem vê ou na resistência otimista de benevolências a serem vividas no amanhã, no depois ou no eterno mistério da promessa feminina.

Em orgasmo múltiplo ela virou-se de bruços e alternava momentos de ligeiros espasmos com quietude absoluta. Inicialmente aquele gozo me pareceu um troço consequência do mal que lhe tinha feito. Tais sacudidelas gerais eram acompanhadas de incompreensíveis resmungos, fortes suspiros ou rugidos; ao mesmo tempo expelia odores inéditos de impossível comparação. Paulatinamente ela diminuiu a frequência e intensidade daquelas erupções.

De um momento de silêncio foi para sono profundo. Eu a sacudi de manhã para tomarmos café e ela, esfirrulada, ressonava nos braços de Morfeu num sono que não interrompi.

Levantou-se em silêncio enigmático por volta de 10horas; do chuveiro perguntou se iríamos para a minha casa ou para a dela. Sozinhos, beirávamos os quarentinha de solteirice. Decidiu que ficaríamos juntos já que não tínhamos compromisso.

Parecia saber da minha vida social e profissional enquanto eu não sabia nem no que ela trabalhava. Como não respondi ela definiu que iriamos para o apartamento dela. Modesto e arrumadinho. Eu que já estava vestido tirei a roupa para tomar um banho. Pelo sucedido entendi que ela me escolheu e esqueci os questionamentos que teria para fazer. Não importava sua voltagem de ser “bi”, se ela mostrou-se – “tri”!

Aquela foi a imagem mais linda que já vi; não teve cidade, flores ou paisagens que me trouxessem tal encantamento; não tivemos preliminares, intercurso que superassem a beleza do que vivemos. Fiquei na casa dela naquela manhã na esperança de ver repetido aquele orgasmo. Esquisita! Logo eu nascido e criado nos umbrais do Areal da Baronesa; eu que tomei banho no aterro da Praia de Belas; eu tantas vezes ameaçado de ser levado para o educandário da 8ª Delegacia? Planejei momento, lugares e prazos respeitosos no qual teria de novo aquela visão. Foi um surto orgástico vulcânico de afeto atormentado.

Enquanto aguardo a repetição desta fulgurância ela baila em sucessivas surpresas. No centro sugeriu entrada na Igreja do Rosário; num Shopping entramos numa Livraria agonizante para tarde de autógrafos da poetisa Lilian Rocha; assistimos palestra da ativista Maria Cristina dos Santos, da Associação Negra de Cultura; fomos a uma exposição do artista plástico Fernando Baril com o fotógrafo Luís Pedro Fraga; fomos ao Teatro São Pedro ver a Vera Lopes apresentar recital de poesia; noutra noite de Boteco descontração vimos o trio Preta Joice, Iara Lemos e Glau Barros cantando juntas; me apresentou para um Padre alemão que posso usar como confessor/psiquiatra; recebemos um amigo dela chamado Mike, um Sacerdote Babá que sabe da natureza mágica da matriz africana antes da invasão bárbaro/europeia; de balde num domingo, sugeriu visita a uma tia velha onde conheci seus parentes. Tudo para dar-lhe o tempo respeitoso que ela talvez precisasse para si mesma para outro surto orgástico vulcânico de seus afetos.

Tudo para saciar meu peito curioso que tem atravessada uma trave sufocante. Esquisita! Pasmem! Nunca mais aconteceu. Dois filhos e três netos aos quais ensino palavrões longe da Mama Tirsa, minha Rainha Doce. Há poucos dias nos calores de janeiro, fez trinta anos que frequentamos o Motel Decência onde repetimos didaticamente nossas carícias em eterna promessa de aprendizado. Onde haverá ficado aquela alteração de nossas consciências senão em nossos corações?

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