Entre a história e a fantasia – I

A excelente mini-série, “A Casa das Sete Mulheres”, que a Rede Globo apresentou em estréia no dia 7 de janeiro de 2003 e em reprise no ano passado, focalizou como herói maior do seu enredo, num misto de História e Fantasia, o General Bento Gonçalves da Silva e como vilão, numa brutal desfiguração de sua real imagem, o General Bento Manoel Ribeiro.

Mas, para que não se confunda a fantasia com a realidade, e como medida de inteira justiça, eis o perfil histórico – subsidiado em estudos de Cláudio Moreira Bento, Presidente do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul, autor de inúmeras obras históricas publicadas – desta personalidade singular para que seja apreciada dentro das circunstâncias complexas que ela vivenciou e coerente como Ortega Y Gasset : “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”.

Bento Manoel foi militar de raros méritos como estrategista, tático, profundo conhecedor do terreno e grande capacidade de nele orientar-se.
Possuía capacidade de liderança em combate e de bem combinar Infantaria e Cavalaria, além de conhecimento apreciável da psicologia de seus homens e dos adversários. Durante a Revolução Farroupilha, em função de seu temperamento singular, mentalidade “mais caudilhesco do que militar”, adotou posições até hoje controvertidas e aparentemente inexplicáveis. Isso ao combater, ora ao lado dos farrapos, ora ao lado dos imperiais, mas sempre desequilibrando, acentuadamente, o prato da balança, em favor da causa que defendia.

Inicialmente como farrapo, depois como imperial, novamente como farrapo e, finalmente, depois de mais de dois anos de neutralidade, lutou pela Unidade do Império até o final da Revolução, “como vaqueano-mor de Caxias”. Por esta razão, entrou para a História do Rio Grande do Sul como a mais controvertida personalidade do ponto de vista político e psicológico, com defensores a explicar seus gestos e acusadores impiedosos, o que a fantasia da mini-série citada reflete com extremo exagero.

História é verdade e justiça! Urge que se separe o Bento Manoel histórico do Bento Manoel da fantasia que é a mini-série global. Qualquer semelhança com Bento Manoel da História do Rio Grande com o da fantasia que ele encarna da mini-série não tem apoio na realidade histórica a não ser a sua grande capacidade militar. Ao lado da sua condenação popular injusta para a História o tem defendido em sua atuação, dentre outros, Osvaldo Aranha, na Revista Província de São Pedro, nº 5, em 1946, onde em artigo, “A Revolução de 35 e a Unidade Nacional”, escreveu: “Garibaldi colocava a sua Pátria, a Itália, acima dos partidos e das formas de governo.

Republicano convicto, depois de um certo período isto não o impediu de aceitar uma Itália monárquica, sob o cetro de um soberano que lhe garantisse a Unidade.

Na Revolução Farroupilha tivemos um homem com a mesma formação moral: Bento Manoel Ribeiro. O grande farroupilha foi até certo ponto a figura mais caluniada de nossa História. Não lhe compreendiam as aparentes variações e transigências. Não lhe perdoavam o monarquismo destoante do espírito da Revolução.

Investigações mais profundas permitiram reconstituir a verdadeira figura moral deste soldado. Esteve com a Revolução enquanto foi necessário desafrontar e libertar o Rio Grande do Sul. Quando a metrópole caiu em si e decidiu fazer-lhe justiça, quando os farrapos receberam o ramo de Oliveira trazido por Caxias, a sua missão estava finda. Não iria fazer o jogo do estrangeiro”.

Bento Manoel, embora nascido fora dos pagos, foi um dos maiores tipos do Rio Grande. Guerrilheiro e soldado a sua fé de ofício não invejou a de ninguém. Lutou pelo Rio Grande sem nunca perder de vista a Integridade do Brasil.

Comentários

Comentários