FASE em Osório: sim ou não?

Nesta semana aprofundou-se na comunidade de Osório o debate acerca da possibilidade de instalação de uma unidade da FASE no Município. As discussões estão acirradas e terão sua culminância no dia 03/12/2010 às 17h30min., nas dependências da Câmara de Vereadores, oportunidade em que será realizada uma audiência pública que terá como pauta a decisão da comunidade sobre a doação de um terreno para a construção do prédio da instituição.

Tenho recebido alguns “e-mails” de amigos preocupados com a situação e percebo claramente que estão fazendo um paralelo com o que ocorreu com a Penitenciária Modulada Estadual de Osório. Embora nenhuma destas questões tenha sido comprovada, os argumentos daqueles que se posicionam contrários, em síntese, são os seguintes: a) aumento da criminalidade; b) sensação de insegurança; c) crescimento desordenado (e indesejado) da população; d) saturação dos recursos sociais do Município, tais como, serviços de saúde, educação, segurança, habitação, etc.

Como defensor público da comarca, com atuação perante o Juizado Regional da Infância e Juventude, mas também na condição de cidadão e morador da cidade, não posso me furtar em emitir opinião sobre o tema. Com efeito, em primeiro plano, devemos lembrar que a Constituição Federal, no art. 127, estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado, com absoluta prioridade, conceder proteção integral aos direitos das crianças e dos adolescentes. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 9.069/90), reproduz este direito fundamental, estabelecendo no plano infraconstitucional, a política de proteção integral à criança e ao adolescente. As normas atuais superaram a ultrapassada “legislação menorista”.

Neste sentido e para sermos mais específicos, o ECA, em seu art. 103, dispõe que o adolescente “em conflito com a lei” não será considerado um criminoso, pois terá cometido tão-somente um “ato infracional”, assim considerada a realização de uma conduta descrita como crime ou contravenção penal. Desta forma, a lei procura evitar a estigmatização penal do jovem entre 12 e 18 anos, entendido como ser humano em formação e desenvolvimento, por isso merecedor de tratamento diferenciado.

Registre-se que estudos científicos comprovam que o cérebro humano desenvolve-se por completo somente aos 21 anos de idade.
Assim, se mesmo as pessoas adultas que praticam ilícitos penais devem ser tratadas com respeito à dignidade humana, com maior razão os adolescentes, destinatários do direito à proteção integral. Por outro lado, o art. 124, VI, do ECA, prevê que é direito do jovem privado de sua liberdade: “permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicilio de seus pais ou responsável”.

Devemos ponderar, ainda, que a comarca de Osório é sede do Juizado Regional da Infância e Juventude, com competência perante todo o Litoral Norte. Certamente este posto e esta nova Vara Judicial especializada foi disputada por outros municípios da região, que, no entanto, foram preteridos por Osório, que a conquistou. Uma vitória a mais para a cidade e um “bônus” para os munícipes. Porém, a este bônus deve corresponder, na exata medida, um “ônus”. Ou seja, no momento em que o Estado do Rio Grande do Sul, através da FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo) pretende assegurar o direito fundamental dos adolescentes “em conflito com a lei”, instalando uma unidade de internação em nossa região, deverá sediá-la, por coerência, junto à comarca que abriga o Juizado Regional.

Destarte, com apoio nas lições de João Batista Costa Saraiva (2009, p. 67), registramos que a superação do paradigma da doutrina da “Situação Irregular” pelo modelo da “Proteção Integral” deve significar também uma mudança radical na interpretação da legislação juvenil. Nesse norte, a exegese mais apropriada deve ser aquela que permita a exata aderência constitucional, ou seja, a conformidade com toda a principiologia garantista exposta no catálogo dos direitos jusfundamentais.

É chegada a hora de transpor a vetusta ideologia do “bem”, “do interesse superior do menor”, ínsito ao ultrapassado modelo de “Situação Irregular”, pelo modelo garantista de “Proteção Integral”. No entanto, no que tange aos procedimentos para apuração de ato infracional, o discurso do “bem” e da “autoridade bondosa”, que trata o adolescente em conflito com a lei como mero objeto, deve ser superado por um “modelo de proteção garantista”, que trata os jovens como “sujeitos de direito”.

Temos que entender que os procedimentos que resultam (ou podem resultar) em privação de liberdade, devem ser percebidos enquanto atos processuais de um “Direito Penal Juvenil”. Ainda que chamada de “medida sócio-educativa”, a privação da liberdade de um adolescente deve ser vista enquanto “punição”, mesmo que cumprida de forma mais branda e em condições especiais, trata-se de uma pena. Sob este enfoque, pretender negar aos adolescentes todas as garantias processuais penais asseguradas aos adultos é ferir letalmente os princípios da igualdade, da proporcionalidade e do devido processo legal.

Por fim, entendida a medida sócio-educativa de internação como um “mal” e jamais como um “bem”, devemos envidar todos os esforços legais e processuais para que ela não ocorra. No entanto, quando falharem todas as demais medidas de prevenção e proteção elencadas no ECA, estará o Juizado da Infância e Juventude autorizado a proceder à internação do adolescente. Entretanto, dentro de uma política de “redução de danos”, torna-se imperioso que este jovem seja internado em uma instituição próxima da residência de seus pais ou responsáveis, por expressa determinação legal.

Neste contexto, ainda que a instalação de uma unidade de internação da FASE em Osório implique em uma considerável sobrecarga de trabalho a este defensor público, como cidadão e como profissional, devo consignar: DIGO SIM À FASE!

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