Julinho da Adelaide* há muito “virou” parisiense – Sérgio Agra

Julinho da Adelaide* há muito “virou” parisiense

Nossas relações sociais nem sempre aspiraram flores de perfumosos jardins. Não poucas vezes margeamos inolentes pantanais, apesar de cada um a seu tempo e modo termos nos rebelado contra o cruel e torturador regime de exceção imposto pelo golpe militar de 1964; em que pese termos amado as mulheres de Paris, de Atenas e de Amsterdam, amamos mais e imensamente Beatriz, Carolina, Luiza, Madalena, Bárbara, Rita e especialmente Helô Pinheiro, nossa eterna Garota de Ipanema, cantada pelo Mestre Vinicius; malgrado reverenciarmos a Dionísio e garatujarmos guardanapos de papel com nossos versos bêbados nas mesas dos botequins; não obstante torcermos pelos tricolores carioca e porto-alegrense; apesar de percorrermos à exaustão nosso universo feminino — ele apenas se mostrou inquieto quando soubera que eu havia escrito Mar da Serenidade, pequeno romance em que a protagonista narra em primeira pessoa os conflitos e traumas da solitária existência de uma mulher que chega aos quarenta anos—,aquietou se somente quando lhe garanti ser meu pai taquariense, meu avô venâncio-airense, meu bisavô mariantenense e meu tataravô luso-brasileiro. Em resposta galhofou que me processaria por plágio. Gargalhamos bucaneira e piratamente e chocamos nossos copos com The Glendronach 24 YearOld Single Cask.

Sem gelo!

Rompemos quando o acusei de cego e equivocado idólatra ao praticar lobby remunerado e assistir em duvidosa companhia no plenário do Senado ao julgamento da impichada. Enviei-lhe um bilhete, o oposto ao do autoritário que ele próprio enviara à diarista Maria do Socorro onde “pedia” ‘Socorro, por favor, não mexa nas louças de mamãe’.

MEU GURI, sei que AMIGO É PRA ESSAS COISAS, pra gente se encontrar na mesa de um bar, degustando um caviar e bebendo o nosso scotch preferido — QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ, você que dizia “hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria” — e botar conversa fora, comentando o último FOLHETIM da cabotina Rede Globo, “uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim”. APESAR DE VOCÊ estar numa verdadeira RODA VIVA e“a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar”, vou lhe confessar, nem que seja ATRÁS DA PORTA,“quando olhaste bem nos olhos meus e o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei”, você, o tão amado Julinho da Adelaide, roubou UM PEDAÇO DE MIM, e “a saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento”de quem traiu na longa e tenebrosa noite em que o Brasil abominava as abjetas CARAVANAS — “a culpa deve ser do sol que bate na moleira”de quem se apossara do tríplex e do sítio do amigo de seu amigo; traiu o homem honesto que agora exige dignidade no FUNERAL DO LAVRADOR, “conta menor que tiraste em vida”, na CONSTRUÇÃO da mentirosa imagem daquele que“acabou no chão feito um pacote bêbado. Morreu na contramão atrapalhando o sábado” na carceragem de Curitiba, jurando que era água e não a marvadao conteúdo da garrafinha pet durante o discurso do eu vou voltar e arrebentar com isso tudo!

Não voltará nunca mais a canção sentimental que CASUALMENTE em Havana ouviste cantar,Manuela, ex-futura MOÇA DOS SONHOS, seu vestido se partiu e o rosto já não era o seu, torceu o narizinho da curitiboca Coxa Amante, que pra casa não leva DESAFOROS e que em horas vagas os lábios delicados roguem pragas por aí, em DUETO com a impichada: Danem-se os autos, os dogmas, os búzios, ciganas, profetas, se dane o evangelho e todos orixás, serás o meu amor, a minha paz…

Você, que nos anos trevosos da ditadura militar era tão parecido conosco, GENTE HUMILDE, que pulava fogueira nas festas de São João e corria pra ver A BANDA passar, mandou tudo à merda, chutou o balde do PEDRO PEDREIRO, espantando um alegre SABIÁ que gorjeava à sombra de uma palmeira que já morreu, provocando a (des)CONSTRUÇÃO de toda sua bela história. E agora, O QUE SERÁ? Os nervos estão À FLOR DA TERRA? Afasta esse CÁLICE e me responda, firmemente, OLHOS NOS OLHOS, que poderes tem aquele demo, já não tão barbudo, cada vez mais mentiroso que aparece nesse RETRATO EM BRANCO E PRETO, com semblante de um Judas arrependido que estuprou TERESINHA, violentou BÁRBARA,depenou LOLA e jogou pedras na GENI, na Nação Brasileira numa sórdida e escura NOITE DOS MASCARADOS, e a indelével TATUAGEM encravou-se nos escaninhos do poder e dali não quer sair nem QUANDO O CARNAVAL CHEGAR? Será que algum dia isso tudo VAI PASSAR?

Naquela noite de sábado, 7 de abril, JOÃO E MARIA, todas as ANNAs DE AMSTERDAM, todas as MULHERES DE ATENAS, ANGÉLICA, LUIZA, BEATRIZ e mesmo JANUÁRIA, “que malvada se peteia e não escuta quem apela”, agora deseja todo homem,toda mulher, todo operário, gente humilde e trabalhadora que por ali passa,DEUS LHE PAGUE, porque todos sabemos, a povo sabe quem bancou o cachê para a compra de seu luxuoso apartamento em Paris, a cobertura do Julinho da Adelaide.E“eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela, só CAROLINA não viu”…

*Codinome de Chico Buarque de Holanda para compor letras que seriam alvo da Censura Federal nos anos do Regime Militar no Brasil.

As palavras em negrito e letras maiúsculas referem-se aos títulos das músicas compostas por Chico Buarque de Holanda; as palavras entre aspas e em itálico ~pertencem a versos de cada um desses títulos.

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