Ministério Público X Polícia Civil

A sociedade riograndense tem acompanhado curiosa e muito atentamente a grande polêmica envolvendo o Ministério Público e a Polícia Civil do nosso Estado, originada de uma divergência em relação ao rumo investigativo seguido para o esclarecimento da morte do Secretário de Saúde do Município de Porto Alegre, senhor Eliseu Santos.

A Polícia Civil, por intermédio do Departamento Estadual de Investigações Criminais – DEIC, deu as diligências por encerradas e finalizou o inquérito policial concluindo que se tratava de um caso de “latrocínio”, ou seja, roubo qualificado pelo resultado morte, previsto no Código Penal no artigo 157, § 3º, segunda parte.

O Ministério Público, a seu turno, entendeu que não se tratava de um simples caso de roubo com ocorrência acidental da morte da vítima, mas sim, de uma execução encomendada, ou seja, a tipificação penal deixaria assim de ser “latrocínio” para tornar-se “homicídio qualificado”, previsto no Código Penal no artigo 121, § 2º, V, ou seja, quando o crime ocorre para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

Normalmente, esta seria uma situação corriqueira no dia-a-dia da Justiça Criminal, não fosse pela notoriedade da vítima e pela forma midiática pela qual os promotores de justiça escolheram para comunicar à sociedade as suas razões, fato que gerou imediato repúdio por parte dos delegados de polícia e provocou o inicio de uma crise entre as duas instituições.

A população gaúcha está se mostrando perplexa com a inusitada situação, eis que ambos os órgãos são encarregados do combate à criminalidade,  e devem trabalhar lado a lado. Porém, aqueles que estão mais afeitos às lides forenses sabem que não é incomum este tipo de atrito durante a fase de investigações preliminares.

Cumpre destacar as competências legais de cada instituição: O Ministério Público é o titular da ação penal (CF, art. 129, I) e a polícia judiciária é o órgão encarregado da elaboração da investigação criminal no Brasil (CPP, art. 4º). Incumbe, ainda, à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo MP (CPP, art. 13, I), sendo que, a seu turno, o MP não poderá devolver o inquérito à autoridade policial, senão para a realização de novas diligências, que sejam consideradas imprescindíveis à propositura da ação penal (CPP, art. 16).

Ocorre que os delegados estão justamente reclamando que os promotores não devolveram o inquérito para novas investigações policiais, como prevê o art. 16 do Código de Processo Penal, mas sim, estão eles próprios fazendo uma investigação criminal paralela. E ainda, que estas investigações tomaram rumo diverso daquele trilhado pelo DEIC, o que, para todos os efeitos, significa dizer de forma clara e rumorosa que a polícia não andou bem, pelo menos neste caso específico, talvez, justamente pela pressa que a situação apresentava, e porque a opinião pública estava a exigir.

De outro norte, os promotores de justiça estão a dizer que havia graves equívocos na investigação preliminar criminal e, por conta disto, e porque são os destinatários de todo o trabalho realizado pela polícia judiciária, resolveram fazer eles mesmos o serviço investigativo, socorrendo-se dos préstimos da Brigada Militar.

O raciocínio utilizado pelo Ministério Público, resumidamente, é este: Quem pode o mais, pode o menos. Ou seja, se o MP é o titular absoluto da ação penal e o destinatário dos trabalhos investigativos realizados pela polícia, que servirão de base para futura e incerta ação penal. Desta forma, tem ele próprio o direito de realizar a sua investigação criminal, objetivando dar suporte a ação penal que tem por dever de ofício propor, desde que presentes a materialidade de uma infração penal e indícios suficientes de sua autoria (fumus comissi delicti).

Neste caso, embora não tenha lido os autos (pecado mortal para um profissional que pretenda emitir uma opinião jurídica confiável), me parece que assiste razão ao órgão acusatório, pois o crime cometido transborda de um simples “assalto”, amoldando-se mais a uma “execução encomendada” ou “queima de arquivo”.

Também concordo que o Ministério Público tem todo o direito de realizar atos próprios da investigação criminal, pois me filio entre aqueles que entendem que o MP, na seara do processo penal, atua na qualidade de parte processual e não como “órgão imparcial”. Assim, nada o impede de investigar um crime que ele mesmo denunciará. Diferente seria se tivesse o dever de se manter imparcial como é a situação do juiz criminal.

Digo mais, mesmo juridicamente reconhecida a competência do Ministério Público para a investigação preliminar, acredito que a própria instituição não tem a mínima pretensão de abarcar todas as investigações criminais, seja por falta de estrutura, seja porque a apuração de fatos criminais é uma tarefa por demais complexa e que acarreta um enorme desgaste. Ademais, apesar desta crise momentânea, ninguém jamais propôs o fim da polícia judiciária. Ela existe, é imprescindível e respeitada, assim como o MP.

Todavia, discordo da forma midiática como foi propagandeada esta ação ministerial, talvez, pretendendo-se reproduzir aqui no pampa a mesma repercussão que teve o “caso Nardoni”, pouco importando se o custo fosse o demérito do trabalho realizado pela valorosa Polícia Civil.

Por fim, apesar de surpresa, a sociedade gaúcha confia e reconhece o trabalho realizado pelo Ministério Público e Polícia Civil, sendo que, este debate acerca dos limites e atribuições de cada órgão acabou sendo salutar  e perfeitamente normal no Estado Democrático de Direito.

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