O brasileiro é um mau leitor… – Sérgio Agra

Sergio Agra

O BRASILEIRO É UM MAU LEITOR…

… porque razões não lhe faltam!

Sempre que vou a Porto Alegre, sobretudo ao Praia de Belas Shopping, dedico quase hora percorrendo os “labirintos” de um cercado de madeira repleto de estantes onde estão expostas obras de todos os gêneros literários e dos mais diversos autores, desde os brasileiros, como Machado de Assis, Jorge Amado, o duvidoso e oportunista Paulo Coelho, até os clássicos da literatura mundial, como Cervantes, Tchekhov, Shakespeare e outros. Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Dan Brown Scott Turow também ali se encontram.

Por que este cercado — localizado no pavimento térreo e em meio à algaravia daquele centro comercial —me atraiu tanto a ponto de preferi-lo ao conforto e ao silêncio que as livrarias sobreviventes concedem ao leitor para a acurada escolha da obra a ser adquirida?

O preço!

Não importa o autor, o título da obra, o número de páginas do exemplar, todos são vendidos ao preço unitário de R$ 15,00 (cotação de dezembro/2020). É, de fato, um convite ao parco bolso do brasileiro médio e amante da boa leitura, eis que a razão do título deste texto reside exatamente neste quesito fundamental.

Adquiri, nas diferentes ocasiões em que lá estive, dezesseis obras literárias e —confesso! — um volume com quinhentos exercícios de palavras cruzadas diretas.No último lote, comprei um romance policial, “Arrowood”, de autoria do psicólogo e dublê de romancista policial, o inglês Mick Finlay.

Parei no final do Capítulo 6 perguntando à minha própria tolerância se continuaria a leitura até o seu final.

Não quero crer que Mr. Finlay, com o excelente currículo de que é detentor, seja limitado no conhecimento vocabular do seu idioma. Assim, me é factível atribuir a (ir)responsabilidade à editora detentora dos direitos autorais pela rudimentar tradução e, o pior, pela incompetente revisão final, se é que esta existiu.

O constrangedor festival de frases mal construídas— “frases duras”, como se diria no jargão literário— no percurso das 82 páginas que penosamente li abundam à exaustão. Tais ocorrências roubam a fluidez de um texto que poderia, ao fim e ao cabo, resultar numa excelente trama. Poderia!

Para ilustrar minha estranheza assinalo os trechos seguintes:

“Quando Neddy tinha ido e o chefe tinha escovado…” (repetição de palavras); “Observei o vaivém da rua,na lama e na chuva marrom(?), as pessoas noturnas cambaleando e soltando sons agudos(como um silvo de locomotiva? como o canto de um tordo?)”…; “Meia-noite passou e novo dia tomou o seu lugar pela janela suja” (frase literariamente dura. E se fosse “Através da janela suja a madrugada cedeu seu lugar a um novo dia?); … “ainda agitando seu grande nabo,…” (Que terror!).

Não é pelo fato do baixo custo do exemplar que deva haver desconsideração para com o leitor. Sabidamente, o brasileiro pouco lê (prefere ingerir um fardo de dúzia de latas de cerveja a desembolsar em média R$ 70,00 por um livro). Isto, no entanto, não absolve a detentora dos direitos autorais da edição brasileira pela ausência do fundamental esmero nas funções que lhe são atribuídas.

Se o brasileiro pouco ou nada lê, as razões ora elencadas o absolvem desta incúria.

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