Somos todos iguais esta noite III – Sergio Agra

SOMOS TODOS IGUAIS ESTA NOITE

(Novela em cinco capítulos)

Capítulo III

O amargo sabor de um Brasil estuprado

Somos todos iguais esta noite III - Sergio AgraO gari mostra-se arrogante, Importadas!Irônico, ele explica, Do Ceará! Apruma o colarinho da camisa sob o macacão como se ali houvesse uma caprichosa gravata, Compagna, a madrugada é pródiga para o deleite dos bons vinhos e com a sua permissão, dos soberbos charutos. Ele percebe, no entanto, a inquietude de Morena quanto ao custo daquele lauto jantar, Não se preocupe com as despesas, o Cesinha me deve muitos favores. Por isso eu aqui tenho copa franca. Bastante animado o varredor avalia o vai-e-vem da bela garçonete, Que bunda, compagna, me desculpa, mas que bunda! Erguendo o cálice diante de uma constrangida Morena brinda num italiano um tanto arrevesado, Per lanostrasalute!

O homem fala de si. Viera do sertão pernambucano para São Paulo, onde vivera desde a adolescência. Liderara piquetes grevistas, apesar de nunca ter lido uma única cartilha marxista-socialista; aliás, nunca lera um livro sequer. Durante o regime da ditadura militar, arapongas atribuíram a ele e aos grevistas assaltos a bancos e invasão de embaixadas. O gari mostra-se extremamente colérico, Assalto, nunca! Isso é mentira! Infâmia! Com a Abertura e a volta da democracia intrometera-se em Brasília.

Morena mantém suspenso o cálice agora vazio. Abismada com a narrativa daquele homem, para ela ainda um estranho, arrisca, Brasília… essa você conheces bem?… Os olhos do varredor de vias públicas brilham, Do luxo ao lixo! Naquela Ilha da Fantasia conquistei o cargo máximo de toda e qualquer carreira desejada por um homem que, como eu, venha da miséria e das agruras do sertão nordestino: gerente da maior rede brasileira de motéis: a Motel-Brás. Neles os deputados, senadores, ministros e poderosos empresários se refestelam com as quengas que, por menos de R$ 50.000,00, não topam nem iniciar a conversa! Alguns daqueles velhacos preferem belos michês. Sorri com desprezo, Mas tem gente que gosta! A fisionomia estampa agora um ricto de ira, Grandessíssimos filhos da puta, tudo farinha do mesmo saco!

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