Tibirro - Jorge VignoliIn memoriam de José Carlos Pinheiro Machado – o Taio.

O casamento de Mário e Flora foi no inverno de 1963.  Logo após, os noivos receberam a nata da sociedade de Porto Alegre no salão de festas do City Hotel, entre os quais os amigos do noivo: Haroldo, Nelson, Bagunça e Sady.

Na festa, os quatros passaram a troçar de uma figura que circulava com desenvoltura pelo salão. Era um homem velho, de andar ligeiro e arisco, magro, cabeleira vasta, mesclada de branco e preto, penteada para trás, com um leve contorno a lembrar uma crista. O nariz aquilino, os olhos pretos e pequenos, tudo a realçar a sua pequenina estatura.

Vestia um terno preto, porém o casaco era desmedido ao tamanho do corpo. Nas costas, o corte formava — certamente por desleixo do desajeitado alfaiate – uma saliência em bico que lembrava uma cauda.

Logo Bagunça passou a chamá-lo de Tibirro. E insistia com os amigos, a cada taça que sorvia: “vejam se o velho não parece um tibirro”? Em certo momento, o homem passou na frente de Bagunça que indagou: “O senhor não é o seu Tibirro, de Cerro Largo”? O velho parou, olhou para Bagunça, franziu o cenho, percebeu a manifestação maliciosa da pergunta e, secamente, respondeu: “não”!

Durante a festa, Bagunça sempre que cruzava com o velho – muitas vezes forçou o encontro – soltava: “mas, ah, Tibirro velho, seu”! Os amigos bem que alertaram Bagunça de que, a brincadeira, não levaria a bom termo, mais ainda quando Haroldo soube que Tibirro, além de ser o pai da noiva, era general de três estrelas.

A zombaria tomou ares agressivos quando Sady foi ao toalete e encontrou Tibirro e Bagunça. Ao ver o amigo, Bagunça perguntou: “Sady, esse velho não parece um tibirro”? A resposta do general foi rotunda: “eu aviso, é a última vez que o senhor me chama de Tibirro”.

E foi no fim da festa que Bagunça e o general encontraram-se dentro do elevador pleno de convidados. Apertados, ambos trocam olhares inamistosos. Bagunça, animado pelas incontáveis taças do champanhe que havia sorvido, pensou: ‘agora é o turbilhão da vida’, e não resistiu: “mas o senhor é um perfeito tibirro”!

Depressa, o general brandiu um soco em direção a Bagunça, que revidou sob os gritos das madamas enchapeladas e dos cavalheiros empertigados que, surpresos, nada compreendiam, e aos gritos pediam que parassem. Mas ninguém acertava em ninguém, pois não havia espaço no apertado elevador, que balançava parecendo despencar.

Somente quando a porta se abriu, no térreo, feito uma explosão, as pessoas buscaram, desordenadas, deixarem o elevador. E a troca de socos entre os brigões prosseguiu no hall do hotel. Tibirro sendo pequeno não acertava Bagunça. Bagunça embriagado, apenas soqueava o ar. A gritaria aumentou, mas ninguém buscou afastá-los. Somente quando Armênia, mulher do general, aos gritos, pediu que chamassem Otávio e Fernando, filhos do casal, para ajudar o pai “a dar uma surra nesse vagabundo”, é que Bagunça sentiu que havia chegado ao seu limite e, precatado, tratou de deixar o hotel.

Era madrugada quando Bagunça ganhou a rua José Montaury em fuga descomedida, dobrou em direção à Borges de Medeiros, e, arquejante, atirou-se para dentro do primeiro táxi que viu estacionado. Dizem que, naquela madrugada fria no Centro de Porto Alegre, somente ouvia-se os fortes passos ecoados pela corrida desenfreada de Bagunça.

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