Um engraxate – Erner Machado

Erner Machado

UM ENGRAXATE

“Lembram-se do vídeo do garoto engraxate que juntou dinheiro para presentear o pai no último Dia dos Pais e acabou ganhando o relógio do dono da loja?

O Ministério Público do Trabalho de Goiás firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o senhor Paulo Cesar, dono da relojoaria, para que ele não divulgue mais o vídeo que na época foi visto por todo o país ou dê entrevistas sobre assunto, nem produza conteúdo que possa, no entendimento do MPT, “constituir apologia ao trabalho infantil”.

O descumprimento das obrigações prevê o pagamento de multa de R$ 10 mil”.

Lendo esta manchete através das redes sociais, foi impossível deixar de me reportar a minha Rosário do Sul, dos anos 60 quando eu e meus irmãos mais novos, a exemplo de centenas de jovens – guris e gurias – da nossa idade, depois do período escolar , pela manhã ou antes de começar, pela tarde, nos entregávamos às mais variadas tarefas que nos rendiam uns trocados suficientes, para ajudar nossos pais no complemento dos recursos essenciais para manter , modestamente, nossas famílias.

Assim que, nos revezando pela manhã e pela tarde éramos, às centenas:

Engraxates, entregadores de viandas, carregadores de areia em vagão de trem, vendedores de doces, cortador de lenha, carregador de malas nas rodoviárias e na viação férrea, vendedores de pano de pratos, recolhedores de terneiros, para as mangueiras domesticas, limpadores de chiqueiros de porcos, cortadores de pasto para vacas de leite, limpadores de pátios, atendedores de balcão em comércios dos mais variados ramos.

Alguns que, por mais velhos, já tinham passado por todas estas atividades, tornavam-se artífices em áreas de sapataria, cordoaria ou como no meu caso, com muita sorte, aprendiz de relojoeiro atividade que exerci, sob a orientação do Mestre Antônio Morais, dos12 aos 16 anos, quando virei continuo interno contratado, do Banco da Província do Rio Grande do Sul, cujo contrato foi assinado por meu pai por eu ser “ de menor”.

Findos os nossos “ expedientes de trabalho” ainda sobrava tempo para brincarmos das mais variadas brincadeiras próprias para guris e para gurias das nossas idades.

E o mais importante conseguíamos fazer os temas de casa, estudar para provas e nos qualificar para entrarmos no Ginásio Plácido de Castro, mediante exame de Admissão e, depois de concluído o ginásio cursarmos o Científico ou , no Colégio Visconde de Mauá, virarmos Técnicos em Contabilidade.

E, hoje, passados tantos anos, me lembro de todos os meus companheiros de infância que como eu trabalhavam no expediente contrário às aulas…

E os vejo, uns à distância outros mais perto, aposentados, ou trabalhando ainda, como advogados, médicos, professores, militares de alta patente, comerciantes, fazendeiros, contabilistas, balconistas, e outros com, muito orgulho e muita honra, aposentados como empregados de balcão, da mesma empresa em que começaram, há tantos anos.

Todos guardam em comum o fato de terem construindo belas famílias, com muito respeito muita honestidade e com a certeza de terem cumprido com seus deveres de trabalhadores e de cidadãos e cidadãs honrados e honradas.

Todos são homens e mulheres de bem!

Saindo de minhas lembranças e voltando à notícia inicial fico rezando ,para que os jovens que hoje são impedidos de trabalharem em nome do Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo guardião é o Ministério Público de meu pais, possam dizer, em longínquo futuro quando já tiverem cabelos brancos, o que este humilde Peão de Estância diz, de sua infância e de sua vida e da infância e da vida de todos aqueles e aquelas que foram seus companheiros, nos longínquos anos 60, em Rosário do Sul, na fronteira do nosso Estado….

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