Um picadeiro na academia – Sergio Agra

Um picadeiro na academia - Sergio AgraEra um grupo, antes de tudo, de amigos sinceros e desinteressados. Não! Desinteressados, definitivamente, não! Eles estavam ali reunidos n0 que para eles era uma celebração da qual nenhum cartão de crédito teria cacife para honrar: a festa da literatura, a feira do livro.

Incipientes escritores, poetas, alguns, contistas, outros, cronistas, tantos mais, romancistas, um ou dois, mestre historiadora e paciente pesquisador, apenas dois, todos eles, atrevidos autores, acima de tudo, amantes dos livros. Saudavam Apolo, Deus da música, das artes, do conhecimento, da poesia, e do sol, que parecera atender à invocação de cada um deles, comungando à ideia da criação de um grupo de escritores.Nascia ali uma congregação com o objetivo único: a troca de experiências, sugestões, aconselhamentos, debates sobre a leitura de obras de autores consagrados e na escrita criativa no gênero vocacional de cada um. Apenas isso!

Como sói acontecer, quando forçase estranhos com interesses apenas para si próprios se sobrepõem aos princípios basilares de um projeto que deveria ser coletivo a mosquinha azul da vaidade, com “asas de ouro e granada”, deslumbra-se e passa a sonhar com poder e riqueza e pousa na porcelana do consomê, aqueles venais forasteiros desvirtuam (ou envenenam) o desenho original.

O que se imaginara iluminado ateneu transfigurou-se, em mãos equivocadas, no trampolim de autopromoção da cozinheira “copiadeira” de receitas, do palhaço e dono do circo ou do artesão e dublê de Portinari. Em que escaninhos sombrios fora arremessada enjeitada última flor do Lácio, inculta e bela, a um tempo, esplendor e sepultura?

Já que evoco Bilac, acode-me com melancolia o meu registro ao abandonar – para mim –, o então mortiço projeto:

O ATENEU DO POETA MORTO

Com extremada inveja e mau gosto

os confrades incineraram sua poesia

imaginando lhe causarem

irreversível desgosto.

Dedos em riste,

o baniram da academia:

– Vade retro, dissidente,

cega-noso teu esplendor fulgente!

A luz primeira do amanhecer abissal

desvela o poeta adormecido sobre jardins

devirginais crisântemos carmesins,

o peito aureolado por um punhal.

No Ateneu, impunidos,

os estultos libristas se comprazem

com o imponderado carpe diem…

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