Venezuela - Jorge VignoliO governo Bolsonaro vai completar dois meses. Houve nesses dias recuos, retratações, muitas trapalhadas, fatos não resolvidos, como a do cidadão Fabrício Queiroz e o laranjal em flor. Houve até quem, do alto do Poder, depois de ver Cristo numa goiabeira, conclamou que, daqui para frente, “menino veste azul, menina rosa”.

Outro ministro sugeriu até que os nossos alunos, a cada início de aula, entoe o Hino Nacional, e, após, exalte a Pátria e a Deus. Ainda bem que o ministro recuou, para salvação da Bandeira, e glória do criador do Universo. E houve também degola de ministro amigo íntimo do Presidente, mas posto no olho da rua sem piedade.

No terreno internacional, o Presidente leu um pronunciamento em Davos, de cinco minutos – contando as pausas e os pigarros -, quando possuía quarenta para promover o Brasil. Acho até que, realmente, pouco ou nada teria a mostrar. E muito a esconder.

E dirão – e eu aceito a asserção – o presidente mal começou a governar e lá vem a crítica. Mas os tropeços se apresentam muitos – e tão cedinho – que é impossível não registrá-los.

Sem pretender adotar uma visão do “quanto pior, melhor”, o que me preocupa, entre outros, é o desenho belicoso da nossa política externa, em busca de um enfretamento perigoso com a Venezuela.

O Regime Maduro está decadente, não há modo de defendê-lo. A ala militar mais radical que sustenta Maduro parece pedir intensamente uma ação de guerra, que seria a única saída para trazer o povo venezuelano novamente para dentro do governo, no melhor estilo argentino, logo que eclodiu a Guerra das Malvinas.

 E o pretexto que os americanos criaram através do duto Brasil e Colômbia chega ser risível: “ajuda humanitária”. Basta ver, por exemplo, que o Haiti está muito mais próximo dos Estados Unidos do que a Venezuela. Lá o povo também passa fome, há epidemias, terremotos, destruições, milhões de pessoas nas ruas, vivendo em condições sub-humanas, crianças morrendo de fome, um contingente incontável de pessoas que deixaram o país, e os sempre “solidários” americanos pouco estão se importando com esta realidade. O Haiti não possui petróleo.

A terrível crise venezuelana é uma luta por petróleo. Interessa aos americanos. Não interessa ao Brasil, que tem sobra de petróleo, mas aceita fazer o jogo americano, se apequenado aos interesses da maior potência do mundo, a quem se curva. Basta lembrar que houve, tempos atrás, até continência do Presidente à bandeira americana, atitude só superável por Otávio Mangabeira, que, demonstrando completa subserviência, beijou a mão do presidente Eisenhower.

Não estou a defender – repito – o Regime Maduro, cuja sustentabilidade se mantém através de uma ação de força. Mas o papel do Brasil nesse conflito, especialmente em se tratando de um país vizinho, fronteiriço, não é de tomar lado, mas sim de mediá-lo – esse verbo transitivo indireto que o Itamarati não sabe conjugá-lo. Invoco a nossa retalhada Constituição – com a licença dos especialistas -, que tem como fundamentos, entre outros, a autodeterminação dos povos e a não-intervenção.

Em pouco mais de cinquenta dias o governo Bolsonaro busca conseguir desarmar uma tradição brasileira sem qualquer conflito militar com os países vizinhos, sendo que a última foi a Guerra do Paraguai, que ocorreu, aliás, a serviço da Inglaterra.

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